sexta-feira, 19 de abril de 2019

sexta-feira, 12 de abril de 2019

AGRIDOCE – A BELEZA GENUÍNA EM EDWARD MÃOS DE TESOURA DE TIM BURTON













“Muito do filme é sobre como eu cresci e sobre como muita gente cresceu. Lembro-me de pensar que as casas ficavam perto demais uma das outras, mas havia um estranho sentimento de  ‘ o que está acontecendo ali do lado? Recordo-me de que não havia comunicação de verdade, mas se houvesse uma tragédia, um acidente de carro na nossa rua, as pessoas saiam de suas casas e seria como se fosse uma festa no quarteirão. Não é algo com o qual me identifico, esse gosto de sangue; é um jeito de sentir vivo . É muito estranho e engraçado. Eu acho isso fascinante”

A pedido da mostra Jovens Clássicos do Cinema (21 a 31 de julho de 2017)  realizado em Belo Horizonte no mês de junho, fui convidado a comentar um dos filmes mais adoráveis de todos os tempos que elevou tanto o nome do diretor Tim Burton quanto do ator Johnny Deep ao estrelato.: Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands). Feito em 1990 continua atual nos dias de hoje onde a diversidade conquista cada vez mais espaço na sociedade sem, contudo deixar os conflitos para trás. A cópia exibida em um decente DCP e com legendas simultâneas, além de um espaço recém reformado coloca o Cine Teatro Brasil Vallourec com uma excelente opção no circuito de salas da cidade de Belo Horizonte. Se não fosse os telefones ainda de discagem e as secretarias eletrônicas e o clima retrô moderno a la Jacques Tati. Uma sociedade mecanicamente perfeita, diria até no limite do clichê e as suas micro politicas. Na verdade os conflitos nunca deixaram de existir, mas a ideia de uma sociedade mais igualitária tem avançado e mudado, nem que seja um pouco a sociedade. Um filme onde  todas as casas da vizinhança em que Edward (Johnny Deep)  passa a morar são exatamente iguais, têm a grama cortada do mesmo jeito, todos os seus moradores têm os mesmos horários e nada muito 'fora da rotina' acontece. O filme ridiculariza a força que as pessoas fazem para serem aceitas pela sociedade, estarem dentro dos padrões de 'normalidade' preestabelecidos por ela, o quanto elas valorizam isso e criticam quem não o faz. Outro ponto retratado também, um pouco exageradamente, é o amor/ódio que a sociedade nutre por quem lança novas modas e quem é diferente. Esse filme funciona com um  microcosmo de todo o universo do diretor, tanto das produções anteriores quanto as posteriores onde o humor negro, o bizarro, o cyberpunk,  o diferente habitam um mundo onde a ternura e a compaixão falam mais alto. Esse universo poderia causar repulsa a primeira vista, mas funciona ao contrário, da estranheza nasce a beleza mais genuína. Um azedo doce, uma contradição que tende para o bem. As cores são impactantes e suaves ao mesmo tempo, na cidade e na vestimenta das pessoas causam uma combinação ao mesmo tempo limpa e kitsch. Em uma cena simetricamente perfeita vemos os carros saindo de todas as casas, as cores são diferentes de acordo com a casa que o carro sai. Um desvio perfeitamente calculado dessa pequena sociedade padronizada. Em contraste o mundo de Edward é dark, gótico, mesmo que aceito pela sociedade seu estilo permanecerá dark.

Este é o primeiro de oito filmes em que o ator Johnny Depp e o diretor Tim Burton trabalham juntos; os demais foram Ed Wood (1994), A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (1999), A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005), A Noiva-Cadáver (2005), Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007), Alice no País das Maravilhas (2010) e "Sombras da Noite" (2012). Na vida real, diretor e ator são grandes amigos.

A aparência de Edward foi bastante inspirada em Robert Smith, vocalista do The Cure, uma das bandas favoritas de Tim Burton. E o diretor chegou a convidar Smith para compor a trilha sonora do filme, mas ele recusou, pois o músico estava preparando o álbum Disintegration. Danny Elfman, ex-líder do Oingo Boingo compôs a trilha-sonora e de quase todos os filmes de Tim Burton. E que trilha que preenche de uma forma contundente todo o filme. Uma trilha digna das melhores trilhas de Bernanrd Hermann.

Este foi o último filme de Vincent Price (1911 / 1993), que morreu três anos depois; curiosamente, o seu personagem morre na sua última cena.  Vicent Price, um dos atores mais admirados pelo diretor foi personagem de seu curta de estreia Vicent feito em um impressionante curta em stop motion e realizado quando o diretor cursava a Cal Arts, uma escola multidisciplinar criado por Walt Disney (1901 / 1966) na Califórnia. Depois da escola o diretor foi admitido nos Estúdios Disney e posteriormente demitido por causa de um gosto um tanto excêntrico. Burton é um cineasta de cinema de animação e sua cabeça pensa como um cineasta de animação onde à imaginação não tem limite e na maioria das vezes as historias e os personagens vivem em um outro mundo onde não existe proibição. Tudo é permitido. No seu caso  essa tal liberdade é usada de uma tal maestria que ele ultrapassa o limite do artista “cult” e suas criações atingem uma grande parcela da sociedade, rendeu muito dinheiro. Mas a pesar disso e muita em função do seu pé na horror o diretor tem sido menosprezado aos prêmios principais do Oscar. Não é fácil ser um outsider.

Neste filme especifico, apesar de ser feito em live action guarda muito dos recursos da animação nas esculturas que Edward realiza nas plantas, nos cortes de cabelo das mulheres, no corte dos pelos dos seus respectivos cães e nas esculturas em gelo que realiza, a magia do cinema esta presente e oculta ao mesmo tempo.

Para o personagem Edward Tom Cruise e Robert Downey Jr. foram considerados para o papel. Michael Jackson  (1958 / 2009) também demonstrou sério interesse no papel.  O cantor comprou as famosas mãos de tesoura, usadas por Depp no filme, e mais tarde elas foram postas a venda para um leilão beneficente realizado por Jackson. As mãos de tesoura utilizadas por Depp no filme foram a leilão no dia 24 de junho de 2009, um dia antes de sua morte  e foram arrematadas por US$ 16 mil, os organizadores do leilão esperavam arrecadar apenas US$ 5 mil pelo artefato.

O primeiro papel cinematográfico de Johnny Depp foi no filme A Hora do Pesadelo. Seu personagem morre retalhado pelas luvas com lâminas de Freddy Krueger, muito semelhantes às mãos-de-tesoura de Edward.


Tim Burton nomeou Edward devido à semelhança com o nome Ed Wood (1924 / 1978), cineasta cuja biografia ele filmaria em 1994, com Depp no papel principal. Ou seja, o universo crossover permanece nas duas obras

O filme é uma fábula moderna, inspirada em antigas histórias de terror, como Frankenstein, A Bela e o Monstro e O Fantasma da Ópera, onde as personagens, que como Edward são bondosos e ingênuos, mas a incompreensão e o preconceito levam os personagens à reclusão e a comportamentos antissociais, que acabam por reforçar a impressão inicial que sua aparência causa.

É um dos filmes mais reprisados até hoje pela Rede Globo, ficando apenas atrás de "Lagoa Azul" e "Ghost" na Sessão da Tarde. Aos olhares mais atentos 27 anos depois com o personagem da sexy suburbana Joyce (muito bem interpretada por Kathy Baker), que tenta transar com Edward e diante da atrapalhada rejeição, passa a demonizá-lo e incentivar que os outros moradores o rejeitem. Recentemente o filme A lagoa Azul foi reclassificado no Brasil pelo Ministério da Justiça para maiores de 12 anos por conter cenas de violência e conteúdo sexual. A inspiração do filme foi o clássico Cabinet of Dr. Caligari. De Robert Wiene de 1920, um clássico do movimento expressionista alemão.

Ao longo do filme, as cicatrizes no rosto de Edward continuam mudando de tamanho e profundidade. Para viver Edward, ele teve que emagrecer 11 quilos.

O primeiro esboço do filme foi escrito como um musical.

As esculturas gigantes que Edward cria no filme foram feitas com um corpo de metal e fios. Em seguida, foram colocadas folhas de plástico. Muitas das esculturas são significativamente mais altas do que os arbustos originais.

A maquiagem de Johnny Depp levava 1h45 para ficar pronta.

O filme foi gravado nos arredores de Tampa, na Flórida. Todas as casas do bairro foram pintadas. Durante as filmagens, os moradores ficaram hospedados em um motel local.
Johnny Depp diz apenas 169 palavras durante todo o filme.

O filme também foi parodiado pelo desenho O Fantástico Mundo de Bobby, no episódio História de Pescador (Fish Tales), onde o protagonista conta uma história fantasiosa à sua família na qual Edward era seu cabeleireiro.

O ator chegou a ficar noivo de Winona Ryder, atriz com quem formava par no filme.  O relacionamento acabou e ele quis apagar a tatuagem feita para a atriz. O que antes era Winona Forever, virou Wino Forever (Para sempre bêbado).  O ator também namorou por quatro anos a modelo britânica Kate Moss.

Em Dezembro de 2010, o filme completou vinte anos desde a sua estreia. Para homenagear e assinalar a data, o artista Sebastien Mesnard criou o blogue “Scissorhands 20th”. Com a participação de vários outros profissionais, foram produzidas peças e trabalhos originais de pintura, escultura, desenho e ilustrações. Trabalhos esses que agora poderão ser vistos ao vivo, na galeria “Nucleus” em Alhambra, Califórnia.
Por isso tudo o filme é um jovem clássico do cinema e será assistido por várias gerações com um belo exemplo de romantismo e esperança por um mundo melhor.

WOODS, Paul A. – O estranho mundo de Tim Burton: São Paulo, Leya, 2011.
BURTUN, Tim – O triste fim do pequeno menino ostra e outras histórias: Tradução de Márcio Suzuki.- São Paulo, Girafinha, 2007.