quarta-feira, 7 de julho de 2021

Pixar comemora 35 anos de uma revolução apaixonante

https://www.otempo.com.br/diversao/pixar-comemora-35-anos-de-uma-revolucao-apaixonante-1.2507350?

 

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Chuck Jones e Tex Avery


Seminário Brasileiro de Estudos em Animação (Seanima) - 2020


em colaboração com Maria de Fátima Augusto


O diretor Chuck Jones disse: A animação como eu vejo, é arte do impossível (WILLIAMS, Richard, Manual de métodos, princípios e fórmulas para animadores clássicos, de computador, de jogos, de stop motion e de internet, 2016) 

 

O Brasil carece de artigos e livros que analisem a influência dos desenhos animados estrangeiros nas crianças brasileiras. Reflito que essa lacuna acontece há décadas. Faço parte de uma geração que foi educada assistindo não só os filmes do Walt Disney, mas também as animações e personagens fruto da brilhante carreira dos animadores que trabalharam na Warner, notadamente os filmes realizados por Chuck Jones (1912 / 2012) e Tex Avery (1908 / 1980). Estes desenhos de animação começaram a ser exibidos na televisão brasileira a partir de 1970. Com uma filmografia de mais de sessenta anos dedicada à arte da animação estes diretores realizaram mais de trezentos filmes. Trabalharam nos Estúdios Warner (1930 - 1963), e nos Estúdios da MGM (1962 a 1966) onde permaneceram realizando vários episódios de Tom e Jerry. Em seguida Chuck Jones realizou adaptações literárias de livros como The Dot and the Line (O ponto e a linha), pelo qual ganhou um Oscar em 1965. 

Estes diretores criaram personagens de grande apelo popular que moldaram o imaginário coletivo do século 20 como Pernalonga (que está comemorando oitenta anos em 2020), Patolino e Hortelino Troca Letras. 

Uma criação clássica deste diretor foi Patolino brigando com seus próprios animadores em Duck Amuck (1953). Um filme que explode as convenções cinematográficas e expõe um mundo de metalinguagem num enredo que só poderia ser feito em animação, pois quebra as regras convencionais de narrativas ao colocar o personagem em diferentes situações absurdas típicas do mundo animado.

Ou de novo Patolino, na paródia de ficção cientifica em Duck Dodgers in the 24 ½ Century (1953) onde o diretor faz o uso de tele transporte, permitindo que o personagem contracene com armas desintegradoras e com Martin, um marciano pela posse de um planeta de nome X. 

Ou no hoje imortal Michigan J. Frog e na fabula moral One Froggy evening (1955). O curta é parcialmente inspirado no personagem de Cary Grant no filme Era Uma Vez (1944). Este popular filme contém canções que iam de "Hello! Ma Baby" e "I'm Just Wild About Harry", dois clássicos do Tin Pan Alley, a "Largo al Factotum", a ária de Figaro da ópera Il Barbiere di Siviglia. 

Um trabalhador da construção civil de meados da década de 1950 envolvido na demolição do "Edifício J. C. Wilber" ergue o topo da pedra fundamental e encontra uma caixa de metal dentro. O homem abre a caixa e encontra, junto com um documento comemorativo de 16 de abril de 1892, um sapo que pode cantar e dançar trajando cartola e bengala. Depois que o sapo subitamente executa um número musical no local, o homem vê uma oportunidade de lucrar com os talentos antropomórficos do sapo e foge do local de demolição com o sapo e a caixa debaixo do braço. Todas as tentativas do homem de explorar o sapo fracassam devido à revelação do público de que o sapo atuará apenas para seu dono e mais ninguém. Pior ainda, quando qualquer outro indivíduo está presente, o sapo para imediatamente e se transforma em um sapo comum. O homem leva o sapo a um agente de talentos. Quando isso falha, ele usa todas as economias de sua vida para alugar um teatro abandonado para apresentar o sapo (ele só consegue uma audiência com a promessa de "Cerveja Grátis"). O sapo se apresenta em cima de um arame alto atrás da cortina fechada, mas quando a cortina começa a subir, ele encerra a música e, no momento em que é totalmente revelado à multidão, ele novamente volta a ser um sapo comum. Como resultado dessas falhas, o homem agora está sem-teto e morando em um banco de parque, onde o sapo ainda atua apenas para ele. Um policial ouve o canto e se aproxima do homem, que aponta o sapo como cantor. Mas quando o sapo novamente se apresenta como comum, o policial prende o homem por perturbar a paz; ele está internado em um hospital psiquiátrico junto com o sapo, que continua fazendo serenatas para o paciente infeliz. Após sua libertação, carregando a caixa com o sapo dentro, percebe o canteiro de obras onde ele originalmente encontrou a caixa, e felizmente a despeja na nova pedra fundamental para o futuro "Edifício Tregoweth Brown" antes de fugir, muito feliz por se livrar do que se tornou seu fardo. A história salta para 2056. Os prédios já são futuristas e as naves trafegam no espaço. A caixa com o sapo é descoberta novamente por um demolidor que também imagina uma fortuna em dinheiro, foge com o sapo, e a história começa novamente.

Realizaram outros curtas metragens que se tornaram clássicos através dos tempos como a comédia burlesca wagneriana What’s the opera, Doc?(1957), onde criaram o coelho antropomórfico inspirado na persistência de Groucho Marx e na doçura de Harpo, como se fossem os dois juntos como revelado por Chuck Jones anos depois.  

Podemos citar outra referência à filmografia dos dois ao cinema amalucado do principio do século onde perseguições e muita violência apimentavam o cardápio da época de ouro das comédias e seus respectivos autores. Analisando este curta especifico What’s the opera, Doc?(1957) como o cenário remete às obras modernistas e geométricas da arte modernista e como sua narrativa transita entre o gênero musical e a dos filmes épicos. Neste filme Pernalonga se transveste como uma sensualizada donzela que aparece num cavalo branco muito além do seu peso, com crinas e rabo cor de rosa e uma guirlanda de flores, onde diretor enfatiza seus seios usando a cor. Pernalonga também usa uma espécie de capacete que remete a mitologia greco-romana. Posa de bailarina e sobe numa torre que nos dá a impressão de ser um altar supremo. O ápice do sucesso nesse curta é quando Hortelino está claramente apaixonado para logo depois o encanto se quebrado quando o capacete cai e percebemos que a donzela é Pernalonga, Hortelino incorpora o ódio e se transforma numa espécie de Deus que controla as forças da natureza. No final vence a compaixão. E o diretor Chuck Jones nos parece antecipar temas dos anos vindouros.

Pernalonga surgiu em 1940, em um curta metragem chamado The Wild Hare ("A Lebre Selvagem"), dirigido por Tex Avery. Ao longo dos anos, o personagem estrelou mais de 160 curtas e foi premiado com um Oscar de melhor curta-metragem de animação pelo filme Cavaleiro Pernalonga (1958). E, com uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood, Pernalonga foi eleito como melhor personagem de desenhos animados de todos os tempos pela revista estadunidense TV Guide (2003).

Pernalonga foi criado por várias mãos, mas segundo Chuck Jones quem deu a centelha, ou a segurança absoluta ao Pernalonga foi mesmo Tex Avery. O estilo de Tex Avery  quebrou o padrão de realismo estabelecido por Walt Disney e encorajou os animadores a ampliar os limites da animação, permitindo fazer coisas em um desenho animado que não seriam possíveis no mundo de um filme em live-action. 

Uma frase de Tex Avery frequentemente citada é que "Num desenho animado você pode fazer tudo," sendo justamente isso o que seus desenhos faziam.  E foi graças a Tex Avery e principalmente sua série Red hot Riding Hood (1943 ainda na Metro-Goldwyn-Mayer), que foi realizada a transgressão da velha história de Chapeuzinho Vermelho essa subversão vai ser levada em conta ao criar todas as aventuras vividas por Pernalonga.  Nessa série há uma triangulação entre o lobo e a vovozinha ninfomaníaca eram mostradas de forma corriqueira, assim como o suicídio. 

“Nunca fui um grande artista. Percebi lá no                       estúdio Lantz que quase todos aqueles camaradas estavam séculos á minha gente. Eu pensei: ‘Cara por que brigar contra isso? Eu nunca vou conseguir o mesmo! Tome uma outra via’. E ainda bem que eu tomei. Nossa, eu curti muito mais do que teria curtido se ficasse animando cenas a vida toda”. (WILLIAMS, Richard, Manual de métodos, princípios e fórmulas para animadores clássicos, de computador, de jogos, de stop motion e de internet, 2016)

Pernalonga estreou no Brasil, na Rede Globo de televisão, no início dos anos 70, exibido na faixa matutina da emissora. Naquela época, os curtas da Warner eram dublados nos estúdios da Cinecastro com sedes no Rio de Janeiro e São Paulo.

Foi nessa época que passei minha infância e como toda criança brasileira cresci vendo os filmes da Warner na televisão. Mas na infância não absorvia o quanto esta produção podia ser subversiva. Mais tarde, na fase adulta, fui reencontrar com o cinema de Tex Avery dessa vez quando eu já estava na universidade quando já me encantava o cinema que rompia com o modelo narrativo clássico e impunha mudanças radicais no discurso cinematográfico como aquele realizado pelos diretores da Nouvelle Vague e com o Cinema Novo Brasileiro, época que comecei a me interessar e pesquisar o cinema de animação, uma linguagem transgressora e foi este estudo que me permitiu a trilhar o mundo mágico da animação underground. 

Nos anos 80 foi exibido dentro dos programas Balão Mágico e Xou da Xuxa e na década de 90 na TV Colosso e Angel Mix. A Rede Globo exibiu o desenho até 1999, e depois os deixou fora do ar durante algum tempo, só voltando a passá-los novamente em 2004. 

Eles voltaram a serem exibidos na programação da TV Globinho, e algumas vezes de madrugada no bloco festival de desenhos, como "tapa buraco" da programação, antes da exibição do Telecurso 2000, e continuaram na grade da programação até 2005 quando a Globo deixou de apresentá-los.

Muitos historiadores de animação nos EUA acreditam que o Pernalonga pode ter tido sua personalidade influenciada por um personagem anterior de Walt Disney, uma lebre chamada Max Hare, desenhada por Charlie Thorson, que apareceu pela primeira vez em um desenho da série Silly Symphonies chamado A Tartaruga e a Lebre ("The Tortoise and the Hare" (Wilfred Jackson/1935). Tex Avery, admitia ter se inspirado um pouco da personalidade de "Max Hare" na criação do Pernalonga, embora o design de Avery no personagem tenha uma aparência inocente, que acabou se encaixando melhor com o comportamento sarcástico do coelho.

A maneira e trejeitos que Pernalonga adquire ao morder sua cenoura, com o canto da boca, também se parece muito com a maneira como o comediante Groucho Marx fumava seu charuto. Um dos bordões mais populares do Pernalonga, Of course you know, this means war! ("É claro que você sabe, que isso significa guerra

Em 1935, Avery foi trabalhar na Warner, ao lado de Bob Clampett e Chuck Jones. Na Warner, Avery dirigiu seu primeiro desenho para essa companhia, o Gaguinho (Porky Pig), que era uma criação de Bob Clampett.  Em 1937 Avery apresentou ao mundo da animação um dos mais famosos personagens de todos os tempos: Patolino (Daffy Duck). 

Tex Avery também criou o personagem Hortelino Troca-Letra (Elmmer J. Fudd) e a inesquecível personalidade malandra e esperta de Pernalonga (Bugs Bunny). Ficou na Warner de 1935 a 1941. 

Os curtas eram um festival de pancadarias, perseguições, insinuações sexuais e psicológicas. Muito dessa subversão foi aprendida por Chuck Jones desde a sua infância, quando sua família mudou para Los Angeles e ele teve a sorte de ser vizinho dos Estúdios de Buster Keaton. Chuck Jones diz sido influenciado pelo cinema de Buster Keaton. Quando criança participou como figurante de inúmeros filmes do comediante e tentou transportar para a animação varias cenas de perseguição dos seus filmes. Ele dizia que o oficio de se fazer animação era equiparado ao da medicina, ou seja, seis anos de trabalho duro.

Talvez essa convivência tenha feito surgir personagens como no caso do Coiote e do Papa Léguas. O Papa Léguas é um pássaro bem inferior em nível de rapidez do que o Coiote. O Papa Léguas, cujas características foram tiradas de um pássaro pequeno e atrapalhado conhecido como roadrunner (Geococcyx californianus) e que habita o México e o Estados Unidos atinge 30 km/h, mas que faz do coiote uma ave muito mais rápida (69 km/h) receber todo tipo de surras e maldades. 

A inversão de papeis é proporcional para colocar a superioridade da animação sobre as forças da natureza. Mas por mais que ainda existe a convenção do vencedor e do perdedor os dois personagens estão sempre na marginalidade. Tudo consiste em amedrontar, coagir, reprimir e celebram suas estúpidas ideias, sua degradação e alienação.  

Beep Beep, o curta de 1952 mostra genialmente o movimento através desses dois personagens. Com diversas traquitanas o coiote não consegue apanhar o Papa Léguas. Coiote faz uso de aspirinas, fósforos, patins, objetos que pertencem a ACME. A perseguição dos dois dentro de uma caverna escura vai lembrar muito dos primeiros videogames que só apareceram mais de uma década mais tarde. 

O termo EAT AT JOES é destacado. O termo veio do Joe's Diner, que costumava ser usado no início do século XX como uma descrição geral de um lugar onde pessoas simples da classe trabalhadora faziam suas refeições. A expressão era uma piada frequentemente usada nos desenhos da Warner Bros. e a MGM na década de 1940, a imagem geralmente surgia quando o personagem simplesmente explodia no ar. 

A primeira vez que essa piada apareceu foi em Jerky Turkey (1945), um desenho animado da Metro-Goldwyn-Mayer dirigido por Tex Avery. No cenário alguns cactos lembram formas de melancia. Em uma cena os patins elevam o coiote a uma altura absurda. Ele então prevê a sua própria morte caindo e segurando uma placa escrito RIP e logo em seguida é explodido por uma traquitana inventada por ele próprio. 

Chuck Jones dirigiu outros clássicos como Pernalonga e Hortelino em Rabbit of Seville, onde parodia a opera O Barbeiro de Sevilha.  Os dois caem em um teatro onde primeiro, Pernalonga se travesti de barbeiro e depois em uma mulher sensual e faz uma dança espanhola com duas tesouras e depois um encantador de serpente que faz de uma forma antropomórfica com a maquina de cortar cabelo. A disputa vai num crescendo com demonstração de armas cada vez maiores até que Pernalonga oferece a Hortelino um anel, o que o faz vestir-se de noiva e casar com Pernalonga travestido de homem. Hortelino também veste espartilho em outro episódio.

Patolino em The Scarlet pumpernickel encarna o papel do romancista Alexandre Dumas, onde representa num papel mais contemporâneo um roteirista. 

Chuck Jones ganhou também um Oscar pela estreia de Pepe LePew em For scent-imental reasons, que se juntou a outro conquistado em 1949 com So much for so little. Todos na lista de um dos melhores curtas de animação de todos os tempos.

Esses desenhos da época de ouro popularizavam o exagero, os olhos esbugalhados e os táxis que saem sozinhos sem serem dirigidos por seus motoristas. Estes filmes sem serem mudos também faziam o uso de intertítulos em forma de placas que ajudavam na compreensão narrativa. 

Sobre a sua produção, uma vez Chuck Jones declarou: “Esses cartuns nunca foram concebidos para crianças. Também não foram feitos para adultos. Eram feitos para mim”. Diferentemente dos seres humanos, seus personagens não tem idade e são indestrutíveis. Ou como diz o Patolino: “É possível que eu seja um patinho preto e covarde, mas sou um patinho preto vivo”. Em 1996, a Academia lhe deu um Oscar especial pelo conjunto da obra.

Chuck Jones disse que os desenhos do Papa-Léguas tinha um andamento musical incorporado a eles. Ele definia os tempos do filme inteiro, e fazia os impactos acontecerem sempre em um ritmo determinado, para que tivessem uma integração rítmica, musical, já embutida. Depois os músicos poderiam seguir a batida, ignorá-las ou construir a música sobre ela. (WILLIAMS, Richard, Manual de métodos, princípios e fórmulas para animadores clássicos, de computador, de jogos, de stop motion e de internet, 2016)

Em 2000, Jones criou o Chuck Jones Foundation, projetado para reconhecer, apoiar e inspirar excelência continuada na arte e na arte de animação de personagens clássicos. Planos para a Fundação incluem bolsas de estudo, recursos de biblioteca, exposições de turismo, uma série de conferências e acesso ao filme, anotações e desenhos. Passado 80 anos esses personagens se mostram cada vez adequados ao mundo atual e encantam as novas gerações. 


BOGDANOVICH, Peter – Afinal quem faz os filmes – São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

DENIS, Sebastian: O cinema de Animação. Lisboa: Texto e Gráfia, 2010

MATTEELART, Armand, DORFMAN, Ariel – Para ler o Pato Donald -  Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980

PINTO, Cláudio: O desenho animado – olhar além da tela; Bauru, SP: Práxis, 2017.

Oráculo – São Paulo: Abril, Superinteressante, 2015.

TAVARES, Mariana Ribeiro; GINO, Maurício Silva. Pesquisas em Animação: Cinema & Poéticas Tecnológicas. 1ª Edição. Belo Horizonte: Editora Ramalhete, 2019.

WILLIAMS, Richard, Manual de métodos, princípios e fórmulas para animadores clássicos, de computador, de jogos, de stop motion e de internet – São Paulo: Editora Senac, 2016.

ttp://www.chuckjones.com/

http://www.chuckjonescenter.org/

http://blog.chuckjones.com/now_hare_this/