sexta-feira, 19 de junho de 2009

Metamorfose e Risco no Cinema de Sávio Leite

Metamorfose e Risco no cinema de Sávio Leite
Por José Ricardo da C. M. Junior

“O Homem comum é um monstro, um perigoso delinqüente; conformista, colonialista, racista, escravagista!” as palavras de Orson Welles no segmento “A Ricota” dirigido por Pasolini no filme coletivo RoGoPa, guarda semelhanças com o trabalho de Sávio Leite.

Para Sávio Leite parece existir algo de monstruoso na mediocridade. O homem médio se transmuta em animal e o animal se torna humano. É um trabalho altamente sexual, mas não sensual, outra conexão com Pasolini. A metamorfose da qual falo vem do interior dos seres e se expressa no exterior. Ou seja, o grande elemento moldador do indivíduo é seu grau de desespero ou isolamento perante o seu meio social. A monstruosidade e deformações, como no curta metragem “Terra” advém do monstro interno se expressando fisicamente através das linhas.

Neste sentido, o cinema de Sávio Leite possui algo de brutal e melancólico; como se tentasse observar o mundo e exibi-lo como este realmente é por baixo de sua aparência asséptica, mesmo que para isso tenha que abrir mão do “realismo” do traço na animação. Seus filmes parecem buscar por um equilíbrio impossível no universo que se apresenta na tela.

Por linhas, assumo a idéia de traço, aquilo que delimita, controla, organiza.

Uma influência muito marcante em filmes como “Terra” pela fluência das linhas com as quais o diretor trabalha é Emile Cohl. As linhas parecem ter vida, são livres, não busca pelo realismo, mas pelo real por trás do irreal, como se em seus desenhos houvesse algo a ser descoberto. Por não buscar realismo tem-se a abertura para possibilidade de metamorfoses. Este tipo de animação se distingue bastante da chamada animação clássica, da qual um grande nome seria Walt Disney.

Ao contrário do estilo clássico, a linha, organizadora de informação, está no cinema do diretor Sávio Leite, organizando para desorganizar. Em Emile Cohl, vemos mutações de linha que se organizavam, se mutavam para se reorganizar, construindo assim um discurso sobre as possibilidades da animação. Esta idéia persevera em Sávio Leite, a linha em Sávio é a metamorfose. Porém quando esta linha se organiza em imagens compreensíveis na tela, temos uma informação brutal, que de certa forma desorganiza conceitos sociais. Ou seja, através da linha se cria metamorfoses na tela, metamorfoses que deveriam organizar o mundo de forma lógica. Mas o mundo, ao olhar de Sávio Leite, é tão caótico, que ao organizar a linha, um período de transição, se desequilibra ainda mais o espectador.

O fetiche que hoje vemos na animação de formas cada vez mais próximas do real, tentando representar a figura humana de forma mais precisa, perde possibilidades de se criar um universo que representa a existência humana de forma muito mais poderosa, através da força poética da mutação. Mutação constante ininterrupta, o caos de existir. O que estava aqui a um momento atrás e que deixa de ser para se tornar outro. A linha como metamorfose é a própria poesia, pois se torna orgânica é um ser vivo pulsante na tela. O assunto não é apenas o que a linha delimita, mas a própria linha e seus movimentos.

Assim, a questão que se torna óbvia no cinema de Sávio Leite, é de que as linhas delimitadoras, sejam estas sociais, culturais ou humanas são prisões tentando enquadrar todos em seus limites e que apenas através da mutação algo de livre ou libertário pode ser alcançado. Assim, se representa a monstruosidade nas ações humanas, esta, em constante transformação e movimento.

O diretor parece afirmar em sua obra que o olhar humano sobre determinada realidade é desorganizador, pois assim se enxerga a verdadeira natureza de um ser. No curta metragem “Cave, cave Deus Videt”, Sávio Leite nos apresenta uma visão pertubadora de um mundo frio, altamente sexual. Um universo que parece atestar a loucura da existência humana. Neste filme temos a mesma estrutura de se organizar para desorganizar. A câmera passeia pelas linhas do quadro e quando a informação das linhas se faz decodificável, o horror ou a bestialidade da cena cria um desequilíbrio. Como se ao organizar aquela informação, por sua natureza caótica percebêssemos como o mundo é opressivo para aqueles que não se enquadram, e que tentam desesperadamente se enquadrar. Assim, esta obra fala de todos e de ninguém.

O cineasta parece afirmar que há monstruosidade humana esta dentro das linhas. Assim, a linha como agente delimitador de espaços é subvertida pois não consegue alcançar seu princípio básico – o equilíbrio. O interesse aqui não é o equilíbrio, mas exatamente o desequilíbrio. O instante quase mágico de criação no qual a recompensa é o choque.

Já em “Eu sou como o polvo” as primeiras referências que vem à mente são as primeiras obras de Stuart Blacktown e “O Segredo de Picasso” de Henri-Georges Clouzot . O princípio formador da arte é o que fascina. Observar a criação no instante em que esta ocorre. Quase um número de mágica, algo que não existia assume forma e passa a existir. Em “Eu Sou como o Polvo”, vemos a construção de personagem e autor, as influencias se traduzindo em traços.

Curiosamente os autores que Sávio busca retratar parecem ter uma visão de mundo alinhada com a do próprio autor. O desequilíbrio das transformações em um mundo que se metamorfoseia a todo instante engolindo tudo e todos e se alimentando da fragilidade humana, se sustenta.

O principio básico da monstruosidade em Sávio Leite é o humano, o comum e o medíocre, o estagnado. Ao ver obras como Mirmidões temos esta clara noção.

A estética marginal também é muito presente em “Terra” que parece ter saído do caderno escolar de um adolescente durante a aula fazendo desenhos eróticos e caricaturas. Isto amplifica a sensação de isolamento. O autor e público estão ilhados em um universo particular e altamente dramático.

Outra característica que merece menção é a fúria dos traços. No filme já mencionado, “Cave, Cave...”, as obras muitas vezes são riscadas como um artista que criou um universo, e depois, tenta negá-lo. Uma sociedade que produz imagens como estas tem algo de patológica, e através disso podemos observar as contradições internas e a monstruosidade de um mundo gerador do ódio. Um universo que rejeita o outsider, o loser, aquele que não encontra lugar em um mundo que parou de se preocupar com os fracos.

Assim talvez, por isto o homem médio seja o monstro neste cinema, pois este tenta desesperadamente se enquadrar nos limites impostos, e almejar subir na vida dentro das linhas, sendo cuidadoso o suficiente para nunca cruzá-las.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Entrevista Sávio Leite - A arte libertária da Animaçao

Entrevista com Sávio Leite - A arte libertária da animação

Até então rejeitados em Minas, os filmes de Sávio Leite rodam o mundo, da Finlândia à Bósnia-Herzegovina. Animador que desenha mal, Sávio se considera um cineasta que embarca no universo da animação pelo seu "caráter libertário". Agora sua obra começa a despertar interesse em sua própria cidade: foi homenageado esta semana na VII Mostra Minas de Cinema e Vídeo.
Douglas Resende


Seu último filme, "Terra", tem tido uma bela trajetória, que já passou por vários países com prêmios em importantes festivais. Por que você acha que ele deu tão certo?


Esse foi o meu filme que teve mais dinheiro, de um edital da Secretaria do Audiovisual (SAV/MinC). E quando você tem dinheiro (no caso, R$ 60 mil), você tem mais possibilidades de tornar o trabalho mais elaborado. Mas o filme deu tão certo porque todo mundo se identifica com o texto do Sérgio Fantini, que fala sobre coisas que acontecem com qualquer ser humano. E o (ator Paulo César) Pereio se identificou demais com o texto. A voz dele deu superbem no filme. Muita gente acha que o Pereio está em uma de suas melhores fases.


E quanto à estética visual de "Terra"?

Eu queria uma estética do grafite e chamei o Denis Leroy para fazer o story board. O Denis chamou uma turma para ajudar a desenhar - o Binho Barreto, Bruno Galan e o Carlos Dias, do Rio Grande do Sul, cada um desenhando uma sequência. Eu dirigi e escrevi o roteiro, porque, na verdade, meu desenho não é muito bom. E por ter ganhado o prêmio da SAV para produzir, passei a bola pra frente, envolvi mais pessoas no projeto. O desenho sonoro é do Sérgio Scliar, que misturou a música, inspirada numa faixa de "OK Computer" do Radiohead, com a narração do Pereio.


Antes do "Terra" você havia feito "Mercúrio". Tem alguma relação?

Tenho a ideia de fazer vários curtas usando a mitologia grega. Já tenho, além de "Terra" e "Mercúrio", "Plutão" e "Marte". Agora quero fazer "Venus" com um texto da Hilda Hilst, que se chama "Filó, a Fadinha Lésbica".


Outro filme seu muito bem- sucedido é "Eu Sou como o Polvo", um tipo de perfil documental do desenhista Lourenço Mutarelli.

Foi feito no improviso. Fiquei sabendo que o Mutarelli seria homenageado aqui em Belo Horizonte, no Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ). Me prontifiquei a buscá-lo no aeroporto, disse que era animador e que queria fazer um filme sobre ele. E o Mutarelli topou. Mas como ele ficou só quatro dias, fizemos no improviso, uma ideia supersimples, mas que rendeu vários frutos e ganhou muitos prêmios. Mas na verdade não adianta ganhar prêmio, ser exibido num festival importante, porque a cada filme é como se você começasse do zero.


No seu modo de fazer animação, você escreve, dirige, mas geralmente não desenha. Como é isso? Você se considera um animador?

Na verdade, me chamo de cineasta. Tem muitas coisas que me atraem na animação: o poder de extrapolar os limites da imaginação, essa alquimia de um monte de desenhos parados ganhar vida. Mas não vou ficar preso só em animação. E quando fui fazer o curso de animação, vi que não precisava ser bom desenhista. Muitos biógrafos do Walt Disney dizem que ele nunca foi um.


Dá para perceber também que, além de envolver outras pessoas no processo, por exemplo o animador Clécius Rodrigues, você desenvolve estratégias alternativas de trabalhar com o desenho.


Descobri que não precisa ser um exímio desenhista. Você pode fazer com gente e coisas reais - o Norman McLaren fez isso muito bem (na técnica chamada pixilation) -, você pode fazer de massinha, recorte, de "n" formas.Um exemplo disso é "Eu Sou como um Polvo", que é como se fosse uma animação em live action, com o desenhista criando o desenho diante da câmera. Exatamente. Inclusive "Eu Sou como o Polvo" ganhou um prêmio de "experimentação técnica em desenho". Eu o considero um vídeo fronteiriço entre a animação e o documentário. Considero esse filme mais experimental por isso: está num não-lugar, pode ser visto como documentário, animação e vídeo-arte. E isso tem muito a ver com o que eu busco no meu trabalho: não ficar no lugar comum. Gosto do deslocamento das pessoas de um universo conhecido para outro, não conhecido, apesar de haver o risco maior de as pessoas não gostarem.


Por que você escolheu a animação?

Em 1998, a Escola de Belas Artes (UFMG) comprou um supercomputador para fazer uma série do Menino Maluquinho e formaram uma turma para desenvolver o roteiro. Ali eu descobri a animação. Eu já gostava de um cinema mais diferenciado, sempre gostei de Glauber Rocha. Quando vi "Terra em Transe" pela primeira vez, tive que parar no meio porque comecei a ter palpitação. E a animação, por mais longe que se tenha chegado, ainda tem um campo muito vasto para se explorar. Em Glauber e no cinema live action, há um limite físico que não dá pra extrapolar. Na animação, vi que dava para trabalhar no limite da imaginação. A animação dá essa liberdade, tem esse caráter libertário, pode-se fazer tudo nela.


Quais são suas principais influências?

As obras que são amargas, mais undergrounds. Posso enumerar várias influências. Principalmente o (Jack) Kerouac. Nasci no mesmo dia do Kerouac. Quando li "On the Road", vi uma obra completamente viva, pulsante. Gosto muito do (Charles) Bukowski, que retrata o submundo e tem uma postura que não é politicamente correta no trato das pessoas e do seu próprio corpo.E no cinema? Tem um cineasta chileno, Alejandro Jodorowsky, que hoje vive na França. Ele veio do teatro de bonecos, trabalhou com o Marcel Marceau e depois foi fazer cinema. Nos anos 1970, fez filmes magistrais, muito místicos. Ele conseguiu fazer animação em live action. Seus filmes são verdadeiros experimentos, de uma criatividade que só se vê no cinema de animação. Trabalhou o sublime e o sagrado. Hoje ele tem um sistema de terapia que se chama psicomagia, partindo da ideia de que a arte tem poder de cura. E tem também o Buñuel e também o Kubrick, que eu gosto pela perfeição no tratamento da linguagem cinematográfica. Outra influência é o Lars Von Trier e o pessoal do Dogma 95.


Você só não citou nenhuma referência em animação...

Só para falar um nome da animação, vou citar o japonês Hayao Miyazaki, um cara que tem demonstrado que animação não é só para o público infantil. Ele conta uma mesma história para uma criança de quatro e um cara de 90 anos de idade.Você também assume o papel de exibidor, com a Mostra Udigrudi Mundial de Animação (Mumia). Isso tem a ver com a dificuldade de exibição dos próprios filmes? O Mumia foi criado com essa intenção de exibir nossos próprios filmes, porque desde que comecei a fazer curta até hoje tenho esse problema. Tenho filmes selecionados em Clermont-Ferrand (o mais importante festival de animação do mundo) e que depois não foram selecionados na Mostra de Tiradentes. Então é muito difícil porque a única janela que temos são os festivais. O Mumia foi criado com esse propósito: já que os festivais daqui não selecionavam nossos filmes, resolvemos criar um festival que não tivesse seleção. Temos três apoiadores fundamentais - o Crav (Centro de Referência do Audiovisual), a Fundação Clóvis Salgado (que cede o Cine Humberto Mauro) e o Festival Internacional de Curtas de São Paulo -, mas não temos patrocínio. E isso acaba sendo coerente com a proposta underground da mostra. O que não quer dizer que nunca vou aceitar um patrocínio.


Publicado em: 07/06/2009 no jornal O Tempo.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

VII MOSTRA MINAS DE CINEMA E VÍDEO


VII MOSTRA MINAS DE CINEMA E VÍDEO
[DE 04 A 06 DE JUNHO DE 2009]

Palácio das Artes
VII Mostra Minas de Cinema e Vídeo 4 a 6 de junho
Cine Humberto Mauro


No início de junho, o Cine Humberto Mauro apresenta a VII Mostra Minas de Cinema e Vídeo. Neste ano, além da mostra competitiva, o realizador Sávio Leite será homenageado com uma mostra dedicada a seus trabalhos. Puderam se inscrever na mostra competitiva, sem restrições de formato, obras audiovisuais nas seguintes categorias: ficção, documentário, vídeo-poema, experimental e animação. Além da competitiva e das mostras Homenagem e Educação, irão acontecer mesas-redondas que discutirão a criação e a pesquisa na produção de vídeo e cinema contemporâneo compostas por realizadores, pesquisadores da história do cinema e de literatura.


04 QUI
19h Abertura + Mostra-Homenagem: Sávio Leite
20h30 Mesa Redonda - Metamorfose e Risco no Cinema de Sávio Leite

05 SEX
19h Mostra Competitiva 1
20h30 Mesa Redonda - Cinema mineiro: desafios e realizações

06 SAB
16h Mostra Educação: Leitura de Telas e Textos
18h Mostra Competitiva II
20h30 Mesa Redonda - Audiovisual e A Educação Contemporânea
21h30 Premiação

VII MOSTRA MINAS: ENTRADA FRANCA COM RETIRADA DE INGRESSOS MEIA HORA ANTES DA SESSÃO

Serviço
Evento: VII Mostra Minas de Cinema e Vídeo
Local: Cine Humberto Mauro
Data: 4 a 6 de junho
Entrada franca com retirada de ingressos meia hora antes da sessão
Balcão de Informações: (31) 3236-7400. O Balcão de Informações funciona de segunda a domingo, das 14h às 21h.


Entrevista com Sávio Leite feita por Nian Pisolato

Conhecido pelo caráter experimental de suas obras, Sávio Leite é uma das referências no cinema de animação mineiro contemporâneo. Sávio já dirigiu dez curtas e participou de diversos festivais de cinema, sendo premiado diversas vezes no Brasil e no exterior. O realizador será homenageado na VII Mostra Minas de Cinema e Vídeo, a ser realizado no dia 04 de junho, no Cine Humberto Mauro. Nesta conversa o realizador fala sobre as produções nacionais e internacionais e sobre o MUMIA – Mostra Udigrudi Mundial de Animação, festival criado por ele, que este ano chega à sétima edição.

Como surgiu essa homenagem que a VII Mostra Minas de Cinema e Vídeo faz a você?
Bem, essa mostra é realizada pela Faculdade de Letras da UFMG, que tem um projeto que se chama A Tela e o Texto, que chega agora na sétima edição. A Maria Antonieta, professora aposentada entrou em contato comigo. Eu, na verdade, sou muito novo para ser homenageado. Embora já tenha mais de 10 curtas, ainda me acho muito novo. Eles então fizeram a seleção de alguns curtas meus, justamente que tem uma relação com a literatura: Eu Sou como o Polvo, que eu fiz com o Lourenço Mutarelli; o outro é o vídeo sobre o artista mineiro Pedro Moraleida, chamado É proibido jogar futebol no adro desta igreja ou o retrato de um artista enquanto jovem diante do século XXI e de tudo mais ou Tratado de dissipação , principio de redução; selecionaram também o Terra, que está sendo um dos meus filmes mais premiados, que trabalha com um poema do escritor mineiro Sérgio Fantini; e escolheram um outro curta, que é o meu primeiro trabalho de animação, de 2004, chamado O Vento.

Sua história é muito ligada à animação. Seu primeiro trabalho já foi nesse formato?
Não. Na verdade eu sou formado em Comunicação Social. Formei em 1993 com 21 anos de idade. E quando eu estava formando eu descobri que queria mexer com cinema. E coincidentemente uma das minhas professoras trabalhava com Cinema, a Patrícia Moran. Ela foi minha orientadora e depois disso eu comecei a fazer alguns curtas, fiz alguns videoclipes. Mas em 1998 fui fazer um curso de animação e então me apaixonei de verdade com animação. Eu sempre gostei de um cinema mais questionador, mais experimental, amo Glauber Rocha, Godard, mas aí eu descobri que animação dava condições de ser muito mais ousado do que cinema de imagem direta. Porque a imagem direta tem uma certa limitação para você fazer determinadas coisas e a animação não. E foi nesse curso que eu descobri a animação, descobri que coisas que eu via na minha infância, que eu fui ver depois de mais de 20 anos, me pareciam super novas ao olhar. Irônico, subversivo, coisas que eu ainda não tinha percebido. E isso é uma coisa que eu sinto na televisão hoje em dia. Esses desenhos de hoje são todos alucinados, então é muita informação que a animação pode dar.

É preciso muitos meios técnicos para se fazer animação?
Tem uma frase do Rosselini que é assim: “O grande erro do pessoal que trabalha com cinema é querer ser muito técnico”. Porque a técnica na verdade é um engano. Em três dias você aprende a fazer. O que ainda vale é uma boa idéia, a técnica fica em segundo plano. E eu acho que até hoje as melhores animações ainda guardam um traço manual. Então, apesar de todo avanço da tecnologia você ainda tem quase o mesmo trabalho de desenhar, de remodelar. Então eu acho que animação tem o poder de usar esse caráter quase artesanal e colocá-lo nas novas tecnologias. Claro que um bom computador, essas mesas digitalizadoras, ajudam muito. Mas ainda hoje é muito valorizado esse processo manual.

E é assim que seus filmes são feitos?
É. Todos eles são feitos de maneira manual.

Como você vê a produção de animação em Belo Horizonte?
BH é uma cidade que tem um dado singular: é a única capital do Brasil que tem um curso de nível superior regular em animação, na Faculdade de Belas Artes da UFMG. Isso permite que a cada ano se produza muito. As duas últimas realizações da EBA foram muito premiadas: O Lúmen e o Moradores do 304. Eu acho que isso é um dado fundamental e bem específico de Minas.

E a produção não acadêmica?
Tem também... e por outro lado a gente está formando aqui a Associação Brasileira de Cinema de Animação, mas a gente está fazendo a nossa parte de Minas Gerais. Temos 15 pessoas nessa associação. Pessoas de Uberlândia, Juiz de Fora... São pessoas que estão produzindo, tem também pessoas mais teóricas, tem blogs de discussão. Porque eu acho que a animação ainda tem que ser descoberta pelo grande público. Já tivemos o boom da ficção, estamos vivendo o boom do documentário, e acho que a próxima onda vai ser animação, que já está começando. Antigamente existia apenas o Disney que fazia os filmes de animação. Ele era um gênio, mas não havia diversidade. Hoje existe. Você vê, por exemplo, o Hayao Miyazaki, no Japão, ganhando o Leão de Ouro em Berlin. E hoje tem a Pixar, a DreamWorks...Acho então que a animação está deixando de ser rotulada pelas pessoas como entretenimento só para crianças.

Cite algumas referências de animação para quem quer conhecer mais sobre animação
Bom, gosto de todos os filmes da Pixar, começando pelo primeiro, Toy Story. Assim como todos os filmes da Disney. Tem um inglês chamado Phil Mulloy que eu também acho boa referência. Gosto também do Chris Cunningham, que fez vários clipes para a Björk. E tem o Michel Gondry, que tem uma veia experimental de animação bem bacana. Outra refrência é o tcheco Jan Svankmajer, que fez Dimensões do Diálogo, que é sensacional. Aqui no Brasil tem o Allan Sieber, todos os filmes dele são legais, tem o Otto Guerra que fez Wood e Stock.

Existe um país onde esteja mais concentrado essa produção independente de animação?
Na França. Outros países que estão produzindo muita animação também é a Coréia e a China. Mas a França é imbatível e tem muita qualidade.

Quais sites você recomenda para quem quer conhecer mais animações?
O www.portacurtas.com.br tem várias animações e curtas brasileiros. Talvez um dos sites mais completos que exista. Outro legal também é o www.curtaocurta.com.br, um site do Rio de Janeiro, bem legal. Tem também o blog do MUMIA (Mostra Udigrudi de Animação), que eu realizo. Lá eu não posto os curtas, mas publico endereços onde as pessoas podem achar. Eu quero que esse blog venha a ser uma referência de animação no Brasil. Desde o ano passado tudo o que é referência de animação, tanto brasileira como internacional, eu publico, para que seja uma fonte de pesquisa. Porque eu acho que falta um estudo teórico sobre animação. Não só sobre animação, mas curta-metragem em geral.

Conte um pouco a trajetória do MUMIA.
O MUMIA foi o segundo festival de animação do Brasil. O primeiro é o Animamundi, que este ano está na 17ª edição. O nosso festival já tem sete anos e começou como uma brincadeira. Quando eu comecei a fazer cinema meus curtas passavam em vários festivais mas não passavam em BH. Aí eu tive a idéia de fazer um festival aqui que não teria seleção, diferente de todos os outros. Então tudo que fosse enviado seria exibido. Meus únicos cortes foram: os trabalhos deveriam ser de animação em até 15 minutos. E ainda hoje não temos seleção. Começamos timidamente então no Museu Histórico Abílio Barreto. E na 3ª Edição, única vez que tivemos algum patrocínio, por meio da Lei Municipal de Cultura, a gente veio para o Cine Humberto Mauro. Trouxemos o Otto Guerra, fizemos uma oficina e o MUMIA começou a ser mais conhecido a partir de então. E hoje o MUMIA faz parte do calendário turístico de BH, faz parte do guia Kinoforum dos festivais do Brasil, tem apoio do Festival Internacional de Curtas de São Paulo. E ao trazer o festival aqui para o Humberto Mauro o público cresceu, porque é uma sala conhecida, respeitada, que traz o cinema distinto para BH. E ainda é uma mostra feita sem patrocínio, só com apoio. E isso não é uma proposta estética, apesar de consolidar a proposta do festival. Mas eu acho que isso acontece porque as pessoas ainda não reconheceram o grande filão que é a animação.

E quais os detalhes que você já pode nos adiantar sobre a edição deste ano?
Esse ano o MUMIA vai acontecer junto com o Dia Internacional da Animação, que é 28 de outubro. Então eu estou tentando criar uma rede para que nesta data vários lugares de Belo Horizonte estejam exibindo animação. Serão 24 horas de animação invadindo a cidade. Sobre filmes que exibiremos, podemos adiantar que vamos abrir a mostra com o curta Hot Gog e o longa Idiots and Angels, ambos do Bill Plympton. Sobre essas referências de animação, talvez o Bill Plympton seja um dos mais famosos, contemporâneo, um cara que produz anualmente. Vamos ter também uma mostra especial de um festival do México chamado Animasivo, uma mostra especial de um realizador português chamado Abi Feijó e uma mostra especial de animações finlandesas. Espero exibir 140 animações no total.


http://fcs.mg.gov.br/conteudos/detalhes.aspx?IdCanal=17&IdMateria=579

http://www.fcs.mg.gov.br/agenda/detalhes.aspx?IdAgenda=1064

terça-feira, 2 de junho de 2009

Critica - Camera Mundo - 2 Festival de Filmes Independentes - Rotterdam - Holanda - Junho 2009



A animação no Brasil tem uma história recente. Embora o primeiro longa-metragem animado feito no país, Sinfonia Amazônica, tenha sido produzido em 1953, a produção de filmes animados ficou praticamente parada até o início dos anos 90, com exceção de alguns trabalhos publicitários.


Animamundi, o primeiro Festival Internacional de filmes e vídeos de animação foi realizado em 1993. O evento foi um divisor de águas para artistas independentes, que pela primeira vez tiveram a oportunidade de divulgar seus trabalhos além de assistir filmes de vários países. Assim, um forte movimento de animadores ganhou força e se consolidou no Brasil.


Vários nomes viriam a se destacar como referencia na animação brasileira, um deles é o do mineiro Sávio Leite. Ainda cursando Comunicação, Sávio já vislumbrava o "ilimitado mundo da animação”, e a partir daí ficou claro para ele qual seria sua forma de expressão artística.
O trabalho desenvolvido por Sávio é de caráter experimental. Trata-se de uma abstração da realidade, um lugar onde a lógica não é necessariamente importante. Tentar entender seus filmes é um erro, pois o propósito se sua arte é extremamente sensorial. “Eu prefiro esse caminho mais arriscado, porque eu acho que esse é o caminho do experimental. Eu acredito em um cinema que tira a pessoa do seu lugar comum. Esse deslocamento é muito interessante no cinema de animação porque ele permite muito mais do que o cinema comum, ele tem essa magia, essa alquimia... é muito especial”, afirma o diretor.



Sávio já dirigiu dez curtas e trabalhou com nomes de peso do cinema brasileiro como Lourenço Mutarelli e César Pereio. Participou de diversos festivais de cinema e foi premiado várias vezes no Brasil e no exterior. “Eu acho muito importante participar de festivais, porque é uma forma de interação muito rica entre cineastas e o público”. No entanto, no começo de sua carreira, os filmes de Sávio não eram bem recebidos nos festivais em Belo Horizonte, sua terra natal, e sua revolta com relação a isso acabou rendendo bons frutos: “Quando eu vi que meu primeiro filme não foi selecionado, e que o segundo filme também não foi, eu disse chega! Vou fazer um festival sem seleção, todo mundo entra!”. Assim nasceu o MUMIA (Mostra Udigrudi Mundial de Animação), a idéia foi um sucesso e o festival já está na sua sexta edição, mantendo firme o propósito de “brincar com o inconsciente coletivo, ou pelo menos recuperar uma centelha da memória cósmica de milhares de vidas conhecidas sobre o planeta”.



Outro ponto importante tanto do festival quanto do trabalho de Sávio é a preocupação em valorizar a diversidade artística e cultural brasileira. “Está acontecendo a favelização do cinema brasileiro, fora do Brasil todos querem conhecer a realidade da favela, que é muito forte aqui. Mas, filmes que ressaltam outro lado do nosso país são importantes. Aqui tem favela, mas também temos muitas outras coisas”, explica Sávio.



Em seu último trabalho, o curta Terra, Sávio contou com a brilhante narração de César Pereio e levou para casa o premio de Melhor Curta de Minas Gerais no Animará, no Festival Internacional de Animação 2008, o Prêmio Especial do Júri no Araribóia Cine 2008 e o Melhor Filme Humano no Festival Internacional de Curtas de São Paulo 2008.

Texto Gustavo Amaral


“Ik geloof in films die je uit de dagelijkse sleur halen”


In Brazilië heeft de animatie een korte geschiedenis. Hoewel de eerste Braziliaanse animatie, Sinfonia Amazônica werd geproduceerd in 1953, was de productie van animatiefilms onderbroken tot begin jaren 90, met uitzondering van een aantal reclamefilms. Animamundi, het eerste Internationale Festival voor film en videoanimatie werd opgericht in 1993. Dit evenement was zeer belangrijk voor onafhankelijke artiesten, die voor het eerst de kans kregen hun werk te tonen, en animaties uit andere landen te zien. Zo heeft zich een sterke groep van animatie artiesten gevormd in Brazilië.


Een aantal van hen werden bekende animators in de Brazilië, waarvan Sávio Leite uit Minas Gerais er één is. Al tijdens zijn studie communicatie keek Sávio op naar de “onbegrensde wereld van de animatie”, en sindsdien was het duidelijk voor hem wat hij met zijn leven wilde doen. Het werk ontwikkeld door Sávio heeft een experimenteel karakter. Het gaat om een abstracte werkelijkheid waarin de logica niet noodzakelijk belangrijk is. Zijn animaities proberen te begrijpen is tijdverspilling omdat zijn werk op het gevoelsleven gericht is.”Ik neem liever risicos, omdat ik geloof in films die je uit de dagelijkse sleur halen. En met animatie kan je je dat permitteren, het is een soort magie.... het is erg speciaal”, zegt de regisseur.


Sávio heeft al tien korte animaties op zijn naam staan en heeft gewerkt met grote namen uit de Braziliaanse filmindustrie zoals Lourenço Mutarelli en César Pereio. Hij heeft deelgenomen aan verschillende film festivals en viel een aantal keer in de prijzen, zowel in Brazilië als in het buitenland. “Ik vind het erg belangrijk om mee te doen aan festivals, omdat er veel interactie is tussen filmmakers en publiek”. Helaas waren zijn animaties niet altijd welkom op de festivals in Belo Horizonte, waar hij vandaan komt. “Toen mijn eerste film niet werd geselecteerd, en mijn tweede film ook niet, dacht ik: ik ga een animatiefestival organiseren zonder selectiecriteria, iedereen mag mee doen!”.


Zo ontstond Mostra MUMIA, een internationaal animatiefestival. Het werd een succes, en de wens van Leite om de Braziliaanse artistieke en culturele diversiteit te onderstrepen is werkelijkheid geworden. “De Braziliaanse filmindustrie ondergaat een proces van ‘favelisatie’ – buiten Brazilië wil iedereen films uit de favelas zien. Maar films die andere aspecten laten zien zijn erg belangrijk. Natuurlijk zijn er favelas hier, maar ook veel andere dingen.” zegt Sávio. Zijn nieuwste werk, Terra, won de prijs Beste Korte Film van Minas Gerais op de Animará, de Speciale Jury Prijs van Araribóia Cine én de Beste Filme Humano op het Internationale Festival voor de Korte Film in São Paulo in 2008. Sávio Leite is aanwezig voor Q&A.


Tekst: : Gustavo Amaral



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