Um dia dedicado a Animação
21/08/15
Por Flávia Guerra *
Entre os destaques brasileiros do 26o Festival Internacional
de Curtas Metragens de São Paulo, que começou na quinta (dia 20) e segue até 30
de agosto, algumas das produções mais
surpreendente são curtas de animação.
Alguns mais profissionais, outros mais mambembes e
experimentais, mas todos em busca de uma linguagem própria e realizados nas
mais diversas técnicas. Sejam futuristas como Mobios (de Carlos Eduardo
Nogueira. Veja trailer abaixo) ou mais clássicos como o poético Égun (de Helder
Quiroga) e até o divertidíssimo Até a China (de Marcelo Marão), há uma
característica que os une: a produção de animação para cinema no Brasil ainda
é, em sua grande maioria, realizada de forma autoral.
Para discutir o legado, o presente e o futuro da animação
brasileira, o Festival de Curtas dedica a sexta-feira para debater, exibir e
celebrar a produção nacional. Abrindo a programação, às 18h, será lançado o
livro Maldita Animação Brasileira, com a presença do diretor e pesquisador
Sávio Leite, que levou dois anos entre a pesquisa e a elaboração do livro.
Rara iniciativa de discutir e mapear a produção e os
talentos de diversas regiões do País, a publicação joga luz em questões
importantes como o atual panorama da produção atual, a produção underground (ou
udigrudi, consagrada por mestres como Otto Guerra), a produção de animação feita por crianças (em
um artigo da diretora e animadora Patrícia Alves Dias), além de entrevistas com
nomes de destaque como Allan Sieber,
César Cabral, Clécius Rodrigues, Marcelo Marão, entre outros.
”Eu sempre quis fazer um livro que fizesse um estudo sobre a
animação. Ainda existe muito preconceito em relação à nossa produção.
Primeiramente do próprio público, que ainda acha que animação é coisa feita só
para criança. Em segundo, o da própria classe, que acha que animação é uma arte
menor dentro do cinema”, declarou Sávio em entrevista ao TelaTela.
“E para completar, há poucas publicações sobre animação
brasileira. Fui pesquisar sobre a literatura em torno do tema e tudo que
encontrei é muito técnico e pouco analítico”, completa o pesquisador, que antes
de Maldita Animação Brasileira já havia organizado o livro Subversivos, o
Desenvolvimento do Cinema de Animação em Minas Gerais.
Sávio “O primeiro livro surgiu para comemorar os dez anos do
Mumia (Festival Udigrudi Mundial de Animação de Belo Horizonte) e contar uma
história que até então existia de forma oral, a do núcleo de animação formado
em BH na década de 80, com convênio do National Film Board do Canadá em
parceria com a Universidade Federal de Belas Artes. Isso permitiu criar uma
geração que faz e pensa animação” relembra o professor e pesquisador.
Já o segundo livro, mais abrangente, faz um recorte da
animação underground brasileira. “Mas, na verdade, tudo é underground. É
difícil diferenciar um projeto completamente comercial de um completamente
independente. Isso porque nossa produção ainda é independente, por mais que
tenhamos crescido, feito longas-metragens, criado e vencido editais públicos de
financiamento”, analisa Sávio.
Para o pesquisador e também professor, ouvir, por meio de
entrevistas, os diversos profissionais de animação de vários estados e
vertentes brasileiras foi a forma mais ágil de realizar um panorama abrangente
da produção contemporânea. “Cada um deu sua opinião direta, como um depoimento,
e reflexiva sobre seu trabalho, o mercado de trabalho e o cenário atual. É uma
forma de conversar com eles todos e pensar mais analiticamente a animação”,
completa Sávio, que já planeja um terceiro volume.
“Ficou ainda muita gente boa de fora. E quero também realizar
um retrato com uma visão antropofágica do nosso estilo, que absorve referências
tão diversas, do mundo todo, e produz algo tão cheio de personalidade”, diz
Sávio.
Animação feita por e para crianças
Quem debate também a produção, mas a feita por crianças, é
Patrícia Alves Dias. Criadora do projeto Carta Animada pela Paz (reconhecido
pela Unesco como Melhor Prática de Mídia nas Escolas da América Latina), em sua
gestão como coordenadora de projetos especial na Multirio. “Acredito que todo
mundo pode ser criador. Não só a criança. Esta questão é importante, os meninos
e as meninas criam e pensam o tempo todo. É revolucionária sua forma de usar o
celular para fazer animação, conversar com os amigos, se colocar no mundo”,
comenta a animadora.
“Para se ter a expressão das crianças, não basta apenas
conduzi-las em oficinas em que o tempo do adulto que dita a dinâmica, mas sim
respeitar o tempo delas, com direito a aprender, processar, desenhar, criar,
animar”, acrescenta Patrícia, que destaca em seu artigo Animação
Maldita…Crianças Malditas… a forma como a criança foi classificada e tratada ao
longo da história e cita exemplos de iniciativas que ensinam e valorizam a
criação de animação infantil.
“Há ótimos casos, como o de Anima Escola (do Festival Anima
Mundi, o mais importante do Brasil), Núcleo de Cinema Casa Amarela (do Ceará),
o Departamento de Projetos Especiais de Animação da Multirio, como o Carta
Animada pela Paz, o Espelho Lunar (na Bahia e Pernambuco), o Cinema no Rio São
Francisco (em Minas), entre tantos outros”, comenta a diretora.
“O Brasil ainda tem uma vocação autoral, nosso grande
exemplo é O Menino e o Mundo, que extremamente autoral e universal. É a prova de que há lugar para tudo e para
todos. É uma opção à tendência em voga atualmente, a de que se começa autoral,
como curta-metragista, mas já pensando na indústria, na transformação de um
projeto em série para a TV ou longa. Os fundos de pesquisa públicos ainda não
pensam o curta como um trabalho autoral de pesquisa, mas sim voltados para produzir.
Só que para se produzir é preciso um tempo de pesquisa, de elaboração e
desenvolvimento. Somos nós animadores que precisamos dizer isso para que o
poder público entenda isso”, conclui Patrícia.
O livro será distribuído gratuitamente para quem participar
do lançamento. Aliás, quem for ao
evento, já pode retirar seu ingresso para a atração das 19 horas, quando ocorre
a sessão Caminhos da Animação. É a chance para se assistir na telona clássicos
do gênero, como o cult A Lasanha Assassina, de Ale Machado, Amigãozão, de
Andrés Lieban, que deu origem à série que é um dos cases mais bem sucedidos de
animação para a televisão, além de Historietas Assombradas para Crianças
Malcriadas, de Victor-Hugo Borges, que também se tornou série de TV, e
Laurinha, de Thomas Larson,
Em seguida, às 20h30, na programação do LabMIS, o público
terá a chance de conversar com os diretores dos filmes exibidos na sessão especial. Com a coordenação do animador e presidente da
Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA), Cesar Cabral, o encontro
vai discutir as perspectivas do curta de animação no Brasil e seus
desdobramentos.
Toda a programação é gratuita. Mais informações,
abaixo:
18h – Lançamento do livro “Maldita Animação Brasileira”, de
Sávio Leite.
O livro traz textos de Quiá Rodrigues (RJ), Leonardo Ribeiro
(RJ/MG), Roberto Maia (SP), Diego Akel (CE), Caó Cruz Alves (BA), Christiane
Quaresma e Marcus Buccini (PE), Patrícia Alves Dias (PE) e Márcio Junior (GO),
cada um analisando diversos aspectos da animação brasileira e suas
especificidades, além de dez entrevistas com expoentes da animação brasileira
contemporânea, voltados ao recorte das produções independentes.
19h – Sessão “Caminhos da Animação”
A Lasanha Assassina – Ale Machado (Brasil-SP. 8’. Cor. 2002)
Uma lasanha é deixada no refrigerador e sofre uma mutação,
tornando-se um monstro asqueroso.
Amigãozão – Andrés Lieban. (Brasil. 1’. Cor. 2006)
Dizem que não é certo falar amigãozão, mas eu não consigo
achar um jeito melhor de falar do meu maior amigo.
Guida – Rosana Urbes (Brasil-SP. 11’. Cor. 2014)
Guida é arquivista há 30 anos. Sua rotina muda quando ela se
depara com um anúncio de aulas de modelo vivo.
Historietas Assombradas (Para Crianças Malcriadas) –
Victor-Hugo Borges (Brasil-SP. 15’. Cor. 2005)
Três histórias que sua avó não contou senão você faria xixi
na cama.
Laurinha – Thomas Larson (Brasil-SP. 1’. Cor. 2005)
A amizade entre uma menina de 5 anos e um pedaço de massa de
modelar.
Menina da Chuva, de Rosaria (Brasil-RJ. 6’. Cor. 2010)
Bonecas vermelhas para as meninas vermelhas, bolas azuis
para os meninos azuis.
O Divino, de Repente – Fabio Yamaji (Brasil-SP. 6’. Cor.
2009)
Ubiraci Crispim de Freitas, conhecido por Divino, canta
repentes e conta sua vida neste documentário animado com ficção experimental.
O Reino Azul – Otto Guerra, Jose Maia, Eloar Guazzelli
Filho, Lancast Mota (Brasil-RS. 15’. Cor. 1989)
As atribulações de um tirano que, para fugir do tédio,
decide pintar todo o seu reino de azul.
Passo – Alê Abreu (Brasil-SP. 4’. Cor. 2007)
Um pássaro e sua gaiola.
20h30 – LabMIS
Debate sobre os “Caminhos da Animação”, com o diretores da
sessão.
* Jornalista especializada em cinema, atuou por mais de 15
anos como repórter de O Estado de S. Paulo. É colunista do canal Arte 1. No
cinema, foi assistente de direção do curta 'O Caminhão do Meu Pai'
(pré-finalista do Oscar) e dirigiu o documentário 'Karl Max Way'.
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