domingo, 3 de fevereiro de 2013

Crítica NEGO



Não tenho noticias de nenhum longa metragem realizado sobre a vida e obra do engenheiro, geógrafo e escritor Teodoro Sampaio, o ilustre intelectual negro, filho de escrava, nascido em Santo Amaro da Purificação, Bahia, em 1855 e falecido no Rio de Janeiro em 1937. Mas o primeiro passo na tentativa de abordar o vasto território do saber deste ilustre baiano foi dado pelo curta-metragem experimental NEGO de Sávio Leite e Marko Ajdarić, que tiveram a feliz ideia de apontar suas lentes para esquadrinhar o autor do delicioso 'O Tupi na Geografia Nacional' (1901) e o minucioso 'Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil' (1922), entre outras obras de grande relevo deste que foi uma figura de fuste da nação brasileira.

Se o curta é uma expressão autônoma do audiovisual cujo logro maior é a síntese, NEGO, com seus escassos 3 minutos, atinge o alvo ao destacar significativos elementos constitutivos do gênio de Teodoro. E isto é realizado através da frenética passagem das paginas de duas HQs (história em quadrinhos) sobre sua vida em constante diálogo com efeitos de imagem pontuada por uma reiterada tentativa frustrada de um dos diretores que frente à câmera coloca sua opinião sobre o tema.

Já a cartela do titulo traz a famosa bandeira rubro negra do estado da Paraíba com a inscrição NEGO em referencia a postura politica do seu governador, João Pessoa, que deflagrou com seu trágico assassinato, entre outros fatores, a Revolução de 1930. Episódio que não tem relação com o percurso criativo do retratado, mas funciona como marca irreverente do que assistiremos em seguida: um NEGO de verdade.
Repare que o titulo não é NEGRO e sim NEGO. Um abismo conceitual antropológico entre ambas as expressões embora seja apenas uma letra a marcar a diferença. NEGO também é a primeira pessoa do verbo da rejeição e em se tratando de um intelectual negro ele aqui assumiria uma postura de denuncia, mas pode também ser um qualificativo carinhoso no âmbito da cordialidade brasileira perscrutada por Sérgio Buarque de Holanda.

Assim que o titulo desaparece tem - se a impressão, pela voragem de elementos audiovisuais sucessivos, de que a obra é um trailer de um hipotético e futuro longa ao qual aludi no inicio deste texto. Não é. Imagens, desenhos, ficha técnica, nomes e funções desempenhadas pelos profissionais envolvidos aparecem em pequenas doses muito antes do fim, assim como a voz em off do narrador e ruídos sonoros envolventes, moldam com velocidade e ar contemporâneo uma espécie de apreciação definitiva sobre a personagem, direta e contundente, a partir da escolha de dois ou três dados específicos sobre sua obra em São Paulo e na Bahia.

NEGO é um curta arejado, ousado, que chega para encorpar o exército não muito numeroso de obras que tentam colocar nos seus devidos lugares de justiça fatos e personagens da nossa historia sócio/cultural, sobretudo quando a melanina destes personagens não é o da elite intelectual e/ou econômica do país.
A memória de Teodoro Sampaio sofreu e sofre pela falta de difusão da sua obra - apesar de o curta fornecer a informação de que dois municípios do Brasil levam o seu nome - ou até pela apropriação dela sem a obrigada e cordial retribuição nos créditos por ninguém menos que, por exemplo, e entre tantos outros, Euclides da Cunha em Os Sertões, o monumento da literatura nacional.
Por isso, afirmo (ou AFIRMO), NEGO, com sua pequena luz de curta-metragem experimental, delata e ilumina mais uma vez a invisibilidade do negro, seja ele quem for, na sociedade nacional.
*Carlos Pronzato, cineasta, diretor teatral e escritor.

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