segunda-feira, 8 de junho de 2009

Entrevista Sávio Leite - A arte libertária da Animaçao

Entrevista com Sávio Leite - A arte libertária da animação

Até então rejeitados em Minas, os filmes de Sávio Leite rodam o mundo, da Finlândia à Bósnia-Herzegovina. Animador que desenha mal, Sávio se considera um cineasta que embarca no universo da animação pelo seu "caráter libertário". Agora sua obra começa a despertar interesse em sua própria cidade: foi homenageado esta semana na VII Mostra Minas de Cinema e Vídeo.
Douglas Resende


Seu último filme, "Terra", tem tido uma bela trajetória, que já passou por vários países com prêmios em importantes festivais. Por que você acha que ele deu tão certo?


Esse foi o meu filme que teve mais dinheiro, de um edital da Secretaria do Audiovisual (SAV/MinC). E quando você tem dinheiro (no caso, R$ 60 mil), você tem mais possibilidades de tornar o trabalho mais elaborado. Mas o filme deu tão certo porque todo mundo se identifica com o texto do Sérgio Fantini, que fala sobre coisas que acontecem com qualquer ser humano. E o (ator Paulo César) Pereio se identificou demais com o texto. A voz dele deu superbem no filme. Muita gente acha que o Pereio está em uma de suas melhores fases.


E quanto à estética visual de "Terra"?

Eu queria uma estética do grafite e chamei o Denis Leroy para fazer o story board. O Denis chamou uma turma para ajudar a desenhar - o Binho Barreto, Bruno Galan e o Carlos Dias, do Rio Grande do Sul, cada um desenhando uma sequência. Eu dirigi e escrevi o roteiro, porque, na verdade, meu desenho não é muito bom. E por ter ganhado o prêmio da SAV para produzir, passei a bola pra frente, envolvi mais pessoas no projeto. O desenho sonoro é do Sérgio Scliar, que misturou a música, inspirada numa faixa de "OK Computer" do Radiohead, com a narração do Pereio.


Antes do "Terra" você havia feito "Mercúrio". Tem alguma relação?

Tenho a ideia de fazer vários curtas usando a mitologia grega. Já tenho, além de "Terra" e "Mercúrio", "Plutão" e "Marte". Agora quero fazer "Venus" com um texto da Hilda Hilst, que se chama "Filó, a Fadinha Lésbica".


Outro filme seu muito bem- sucedido é "Eu Sou como o Polvo", um tipo de perfil documental do desenhista Lourenço Mutarelli.

Foi feito no improviso. Fiquei sabendo que o Mutarelli seria homenageado aqui em Belo Horizonte, no Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ). Me prontifiquei a buscá-lo no aeroporto, disse que era animador e que queria fazer um filme sobre ele. E o Mutarelli topou. Mas como ele ficou só quatro dias, fizemos no improviso, uma ideia supersimples, mas que rendeu vários frutos e ganhou muitos prêmios. Mas na verdade não adianta ganhar prêmio, ser exibido num festival importante, porque a cada filme é como se você começasse do zero.


No seu modo de fazer animação, você escreve, dirige, mas geralmente não desenha. Como é isso? Você se considera um animador?

Na verdade, me chamo de cineasta. Tem muitas coisas que me atraem na animação: o poder de extrapolar os limites da imaginação, essa alquimia de um monte de desenhos parados ganhar vida. Mas não vou ficar preso só em animação. E quando fui fazer o curso de animação, vi que não precisava ser bom desenhista. Muitos biógrafos do Walt Disney dizem que ele nunca foi um.


Dá para perceber também que, além de envolver outras pessoas no processo, por exemplo o animador Clécius Rodrigues, você desenvolve estratégias alternativas de trabalhar com o desenho.


Descobri que não precisa ser um exímio desenhista. Você pode fazer com gente e coisas reais - o Norman McLaren fez isso muito bem (na técnica chamada pixilation) -, você pode fazer de massinha, recorte, de "n" formas.Um exemplo disso é "Eu Sou como um Polvo", que é como se fosse uma animação em live action, com o desenhista criando o desenho diante da câmera. Exatamente. Inclusive "Eu Sou como o Polvo" ganhou um prêmio de "experimentação técnica em desenho". Eu o considero um vídeo fronteiriço entre a animação e o documentário. Considero esse filme mais experimental por isso: está num não-lugar, pode ser visto como documentário, animação e vídeo-arte. E isso tem muito a ver com o que eu busco no meu trabalho: não ficar no lugar comum. Gosto do deslocamento das pessoas de um universo conhecido para outro, não conhecido, apesar de haver o risco maior de as pessoas não gostarem.


Por que você escolheu a animação?

Em 1998, a Escola de Belas Artes (UFMG) comprou um supercomputador para fazer uma série do Menino Maluquinho e formaram uma turma para desenvolver o roteiro. Ali eu descobri a animação. Eu já gostava de um cinema mais diferenciado, sempre gostei de Glauber Rocha. Quando vi "Terra em Transe" pela primeira vez, tive que parar no meio porque comecei a ter palpitação. E a animação, por mais longe que se tenha chegado, ainda tem um campo muito vasto para se explorar. Em Glauber e no cinema live action, há um limite físico que não dá pra extrapolar. Na animação, vi que dava para trabalhar no limite da imaginação. A animação dá essa liberdade, tem esse caráter libertário, pode-se fazer tudo nela.


Quais são suas principais influências?

As obras que são amargas, mais undergrounds. Posso enumerar várias influências. Principalmente o (Jack) Kerouac. Nasci no mesmo dia do Kerouac. Quando li "On the Road", vi uma obra completamente viva, pulsante. Gosto muito do (Charles) Bukowski, que retrata o submundo e tem uma postura que não é politicamente correta no trato das pessoas e do seu próprio corpo.E no cinema? Tem um cineasta chileno, Alejandro Jodorowsky, que hoje vive na França. Ele veio do teatro de bonecos, trabalhou com o Marcel Marceau e depois foi fazer cinema. Nos anos 1970, fez filmes magistrais, muito místicos. Ele conseguiu fazer animação em live action. Seus filmes são verdadeiros experimentos, de uma criatividade que só se vê no cinema de animação. Trabalhou o sublime e o sagrado. Hoje ele tem um sistema de terapia que se chama psicomagia, partindo da ideia de que a arte tem poder de cura. E tem também o Buñuel e também o Kubrick, que eu gosto pela perfeição no tratamento da linguagem cinematográfica. Outra influência é o Lars Von Trier e o pessoal do Dogma 95.


Você só não citou nenhuma referência em animação...

Só para falar um nome da animação, vou citar o japonês Hayao Miyazaki, um cara que tem demonstrado que animação não é só para o público infantil. Ele conta uma mesma história para uma criança de quatro e um cara de 90 anos de idade.Você também assume o papel de exibidor, com a Mostra Udigrudi Mundial de Animação (Mumia). Isso tem a ver com a dificuldade de exibição dos próprios filmes? O Mumia foi criado com essa intenção de exibir nossos próprios filmes, porque desde que comecei a fazer curta até hoje tenho esse problema. Tenho filmes selecionados em Clermont-Ferrand (o mais importante festival de animação do mundo) e que depois não foram selecionados na Mostra de Tiradentes. Então é muito difícil porque a única janela que temos são os festivais. O Mumia foi criado com esse propósito: já que os festivais daqui não selecionavam nossos filmes, resolvemos criar um festival que não tivesse seleção. Temos três apoiadores fundamentais - o Crav (Centro de Referência do Audiovisual), a Fundação Clóvis Salgado (que cede o Cine Humberto Mauro) e o Festival Internacional de Curtas de São Paulo -, mas não temos patrocínio. E isso acaba sendo coerente com a proposta underground da mostra. O que não quer dizer que nunca vou aceitar um patrocínio.


Publicado em: 07/06/2009 no jornal O Tempo.

2 comentários:

  1. gostaria MUITO de ver este filme de novo e mostrar para alguns amigos, mas desde que vi num festival nunca mais achei em lugar nenhum, não sei pq foi tirado do Portacurtas e não está no youtube...

    ResponderExcluir
  2. Oi Mariana
    Vc mora aqui em BH? Posso te passar uma copia. Me mande um email: leitefilmes@gmail.com

    ResponderExcluir